Um poema de Andreia C. Faria


Tenho a pedir-vos que não reutilizeis mais nada.
Esse edifício junto à praia, deixai-o
entregue às ruínas,
às folhas do milho,
ao ar salgado.

Que as crianças possam tropeçar nas lajes soltas
e no átrio ecoe, como uma pedreira,
o desejo de muitas mãos.

Deixai dormir as mariposas dentro de lâmpadas partidas
e as formigas engrossarem pelos cantos
como sal.

Não inventeis mais nada,
nem formas eloquentes de evitar que o bronze oxide.
Aceitai o suor do tempo.

Que algumas coisas apodreçam.
Que os elefantes atravessem a planície.
Que as veias rebentem
do esforço de permanecer em pé.

E que nem tudo se sustente como a rosa
se sustenta de florir.

Deixai, deixai os vários pisos incomunicáveis,
o desvão ser cortejado pelo giz dos aviões,
que a lua pouse ali aberto o crânio,
que lhe bata o sol.

Ainda são precisos templos
onde o pó seja gentil
e incensado
como os pés pela caruma dos pinhais.



em Tão bela como qualquer rapaz, Lisboa: Língua Morta, 2017, pp. 54-55.

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