Versões: Nazim Hikmet


Hino à vida


A franja do teu cabelo
mexeu-se de repente.
De repente algo se mexeu no chão.
As árvores
sussurraram no escuro.
Os teus braços nus irão ter frio.


Ao longe
onde a nossa vista não alcança,
a lua está a nascer.
Ainda não chegou até nós,
deslizando por entre as folhas
para te iluminar os ombros.
Mas sei
que com ela vem um vento.
As árvores sussurram.
Os teus braços nus irão ter frio.


Lá do cimo,
dos ramos perdidos no escuro,
algo caiu a teus pés.
Aproximas-te de mim.
A tua carne nua na minha mão é suave como a pele do pêssego.
Não é uma canção ou “senso comum”,
perante as árvores, pássaros, e insectos
a minha mão na carne da minha mulher
está a pensar.
Esta noite a minha mão
não consegue ler ou escrever.
Não é amar ou desamar…
É a língua dum leopardo numa fonte,
uma folha de videira,
a pata dum lobo.


Mexer, respirar, comer, beber.
A minha mão é como uma semente
deitada à terra.
Não é uma canção ou “senso comum”,
nem amar ou desamar,
a minha mão na carne da minha mulher
é a mão do primeiro homem.
Como uma raiz que encontra água,
diz-me:
“Comer, beber, frio, quente, combate, aroma, cor ―
não é viver para morrer
mas morrer para viver…”


E agora
enquanto o seu cabelo ruivo acaricia o meu rosto,
enquanto algo de repente se mexe no chão,
enquanto as árvores sussurram no escuro,
e enquanto a lua nasce ao longe
onde a nossa vista não alcança,
a minha mão na carne da minha mulher
perante as árvores, pássaros, e insectos,
quero o direito à vida,
do leopardo na fonte, da semente deitada à terra ―
do primeiro homem.



Nazim Hikmet, «Hymn to life», Poems of Nazim Hikmet, traduzido do Turco por Randy Blasing e Mutlu Konuk, New York: Persea Books, 2002, pp. 72-73.

Sem comentários: